Review: Evangelion 3.0 + 1.0: Thrice Upon a Time

Review: Evangelion 3.0 + 1.0: Thrice Upon a Time


Foram quase nove anos de espera. Evangelion 3.0 foi lançado em 2012 e desde então ficamos no aguardo da conclusão da tetralogia “Rebuild of Evangelion”. Por isso, no momento que comecei a assistir “Evangelion 3.0 + 1.0: Thrice Upon a Time” achei que estava alucinando em um mar de LCL. Mas era real. O filme existe.

No entanto, depois de tanta demora e adiamento, o filme escrito e dirigido por Hideaki Anno ainda tem força? A espera valeu a pena? Já começo essa análise dizendo que sim, não só valeu como foi uma experiência muito acima das minhas expectativas.

A história começa exatamente onde o terceiro termina, com Rei, Asuka e Shinji vagando pela Terra desolada após o final catastrófico do terceiro filme. No entanto, eles vão descobrir um lugar para reencontrar a esperança. Enquanto isso, Misato e os outros membros da Wille se preparam para a batalha final contra Gendo Ikari, que coloca em movimento seu plano para a Instrumentalização Humana.

Após uma abertura de 10 minutos de ação intensa (já exibida em diversos eventos), o filme tira o pé do acelerador e nos apresenta uma sequência lenta e intimista, em que vemos os personagens vivendo momentos de paz.

Para quem esperava uma conclusão explosiva do começo ao fim, essa parte pode ser um pouco decepcionante. Tomando mais de uma hora das duas e meia do longa, essa sequência usa o tempo para construir lentamente os personagens e o que está em jogo na trama.

Shinji mostra porque é um dos melhores e mais realistas heróis dos animes. Sua luta para superar o trauma que acabou de vivenciar e se levantar lentamente, passo a passo, é dolorosa de assistir em alguns momentos, mas é isso que torna sua evolução tão gratificante. Muitos de nós já estivemos no lugar dele, e é esse realismo que o torna tão relacionável.

Asuka parece a mesma de sempre, mas de forma sutil, é construído como ela se transformou e como a vida como piloto a afetou. Você acha que conhece nossa Tsundere favorita? Bem, vai ter que rever os seus conceitos.

Mas quem rouba a cena é Rei Ayanami. Com um humor leve e várias cenas de aquecer o coração, ver a garota vazia descobrir o mundo pouco a pouco, fazendo perguntas como uma criança é extremamente divertido e é o grande coração de toda esta porção do filme.

É nesta parte também que o longa esclarece o que aconteceu entre os catorze anos que separam a história do segundo e do terceiro filme. E apesar de ser muito bem vindo, a sensação que fica é que deveríamos ter visto isso no 3.0, realçando ainda mais os problemas deste que é facilmente o mais fraco da tetralogia.

Evangelion sempre foi uma série sobre personagens, mas na maioria das vezes os vemos colocados em situações extremas, com as cenas mais leves servindo apenas para contrastar com as coisas ruins que vem a seguir.

Aqui não. A paz é justamente usada para construir os conflitos internos, desenvolver os personagens e mostrar que muitas vezes o que precisamos para descobrir nós mesmos é parar, respirar e nos olharmos com calma. É refrescante para nós do público ver estes personagens longe de suas vidas como pilotos.

Os lindos visuais do filme ajudam muito nessa parte, e vão do “encher nossos olhos com sua beleza” a “nos aterrorizar com o quanto são sinistros”. São os mais belos que já vi? Não, esse prêmio ainda fica para Makoto Shinkai. Ainda assim, são belos e em alguns momentos bastante inventivos.

A animação segue com a mesma pegada. Mesmo nos momentos mais calmos, é nítido o cuidado da equipe do estúdio Khara. Cabelo mexendo lentamente em sincronia com o movimento e tantos outros detalhes enchem de vida o mundo e os personagens.

Essa qualidade se mantém nas cenas de luta, que permeiam boa parte do terceiro ato. A combinação de animação 2D com 3D é muito bem feita, apesar do CGI ainda ser perceptível. Poucos estúdios conseguem juntar os dois com perfeição, e infelizmente o Khara não é um deles. Mas olha, chegou bem perto.

Tirando em duas cenas. Em uma delas, a estranheza causada pelo CGI é claramente proposital, dado o contexto. É uma visão assustadora e bem impactante. Na outra… é só ruim mesmo. É uma cena inteira de mais ou menos um minuto feita toda em 3D, que mais parece um gameplay de PlayStation 2 com física mal feita. Você vai saber exatamente de qual estou falando quando assistir. Por um momento, a imersão se quebrou e eu soltei uma risada.

Evangelion finalmente chega ao fim. Imagem: Divulgação

O cuidado na animação das cenas de ação que falei antes não é totalmente acompanhado pela direção. Com muitos closes e elementos na tela, elas acabam ficando um pouco caóticas. São muito boas, que isso fique claro, mas já vimos melhores, inclusive nos próprios Rebuilds e na série original (saudades Asuka Vs. Série EVA).

A trilha sonora é o padrão Evangelion, ou seja, é muito boa e criativa. Músicas clássicas, cantadas e temas famosos da série embalam muito bem diversas cenas. A tradição de usar a trilha de forma assíncrona (a música não bate exatamente com o que está na tela) continua a criar ótimos efeitos emocionais.

E voltando à história, uma coisa precisa ficar clara. Não espere entender tudo. Na real, não espere entender muita coisa. Lembrando muito The End of Evangelion, o filme sacrifica qualquer tipo de explicação ou clareza para nos imergir no que está sendo mostrado. É um festival de termos e acontecimentos em que nada é mastigado para o espectador. Mas diferente de outras obras, não são apenas pontas soltas largadas ou estranheza pela estranheza. Tudo é cuidadosamente construído para que as perguntas te estimulem a pensar nas respostas.

A trama sabe exatamente o que precisa responder para continuar interessante; o que é uma explicação vaga já está bom e nós completamos o resto e o que pode ficar apenas 100% para a nossa imaginação. Eu mal posso esperar para ler as teorias das pessoas e apresentar as minhas (depois de assistir algumas outras vezes para colocar as ideias no lugar).

E este experimentalismo do clímax não fica só na narrativa. Ele é visual e sonoro também. É um misto de The End of Evangelion com toques dos dois episódios finais da série de TV (mas aqui feito de forma consciente e não por falta de orçamento).

Algumas pessoas vão assistir e pensar “que viagem”. Mas se você embarcar no que está sendo mostrado ali, vai ser recompensado com uma das mais estimulantes e imersivas sequências da história da animação. Hideaki Anno mostra aqui que merece estar ao lado de grandes mestres do surrealismo do cinema como David Lynch e Luis Buñuel. É muito mais sobre sentir do que entender, e de forma até paradoxal, é isto que justamente faz com que entendamos os personagens como nunca antes.

 
O filme chega ao Prime Video em 13 de agosto. Imagem: Divulgação

Shinji, Rei, Asuka e Misato ganham facetas que nunca tínhamos visto antes, e se desenvolvem a um ponto que a série de TV nunca chegou. Até mesmo Mari Makinami, a novata dos Rebuild, que antes só servia para fanservice e cenas de ação, mostra aqui a que veio. Fica difícil não amar esses personagens, seus fantasmas e não se identificar mesmo que um pouco com cada um deles.

Por mais que sejam bem diferentes entre si, o elenco principal de Evangelion carrega cada um parte da universalidade do que é existir. Os medos, as tristezas, a dor de se aproximar do outro. Cada um possui algo que um dia já vivemos, mesmo que de forma menos intensa. Mari ainda é a menos profunda do grupo, mas seu papel é bem claro, e, devo avisar, potencialmente divisivo entre os fãs. E já me coloco do lado dos que gostaram dessa escolha narrativa, que faz todo sentido dentro do que o filme quer dizer.

Só que nenhum personagem teve mais ganhos em sua caracterização e aprofundamento do que Gendo Ikari. Na série original, tudo começa com o conflito entre o ganhador do prêmio de pior pai do ano e seu filho Shinji. No entanto, conforme a série progredia, isso foi ficando aos poucos de lado.

Evangelion 3.0 + 1.0 acerta em colocar Gendo como o grande vilão e fazer do conflito entre os Ikaris o seu coração climático. Desta forma, ele explora esse personagem tão complexo e nos mostra como ele se tornou o que é. É muito interessante como nos empatizamos facilmente com ele, e até percebemos que muitos de nós poderíamos seguir o mesmo caminho.

Talvez o que mais surpreenda os fãs de Evangelion é o otimismo da obra. Os temas de depressão, auto descoberta, isolamento emocional e relações humanas continuam aqui e são tratados com a mesma profundidade da série de TV. O que muda é que quase 25 anos depois de The End of Evangelion, a visão de mundo de Hideaki Anno se alterou, e ele mostra os mesmos problemas sob uma ótica muito mais esperançosa e altruísta. Ainda temos momentos tristes e pesados, mas a abordagem é outra.

E fica claro porque ele quis fazer Rebuild of Evangelion. Ele não apenas cria um Eva para uma nova geração, mas traz uma mensagem atualizada para aqueles que viram a série original. E o faz de forma a não anular a bela mensagem de esperança e a importância das conexões que fecham The End of Evangelion, e sim complementá-la, trazer mais força e dar uma conclusão às ideias da obra anterior.

Por isso, Evangelion 3.0 + 1.0: Thrice upon a Time não é apenas o final da tetralogia dos Rebuilds. É a conclusão da saga iniciada lá em 1995, quando Misato foi buscar Shinji para pilotar o Eva 01. É um ciclo temático completo, que vai ressoar com pessoas de todas as idades.

 
Adeus, Evangelion. Imagem: Divulgação

Se os Rebuilds vão se tornar clássicos no futuro é algo que apenas o cruel teste do tempo vai dizer. Mas é possível. Com o 3.0 + 1.0, esta nova saga tem tudo para repetir o feito da anterior, um possível marco da animação japonesa. Quem diria que Hideaki Anno e o estúdio Khara iam conseguir dar um fim mais do que digno ao melhor anime de todos os tempos?  Adeus, todos os Evangelion.

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