Metas de Ano-Novo, mesmo descumpridas, nos ajudam a sermos melhores – 11/01/2022 – Juliana de Albuquerque

Metas de Ano-Novo, mesmo descumpridas, nos ajudam a sermos melhores – 11/01/2022 – Juliana de Albuquerque


Na última semana, a coluna de Leandro Narloch questionou a necessidade de nos prescrevermos resoluções de Ano-Novo. Munido da leitura do psicanalista Josh Cohen, autor do ensaio “The Perfectionism Trap” —para quem a vida finalmente começa quando desistimos de nos tornarmos uma melhor versão de nós mesmos—, Narloch sugere que “ser adulto é abandonar o objetivo de autossuperação”.

Eu concordo com os autores que não podemos pautar a nossa vida em uma desenfreada busca por aprovação, como se o sucesso das nossas empreitadas dependesse unicamente da opinião dos outros.

Por outro lado, a insinuação de que ser adulto é abandonar objetivos de aperfeiçoamento de si é problemática por nos sonegar a chance de distinguir entre o que eles chamam de perfeccionismo —ou seja, a necessidade de fazermos o que achamos ser a coisa certa, com objetivo de obter a aprovação alheia— e a busca por um exercício de superação pessoal condizente com o nosso desejo por aprimoramento.

Portanto, ainda que os autores mencionem essa distinção —Narloch, comenta, inclusive, que “não se trata, é claro, de recusar qualquer tipo de aperfeiçoamento”—​, algo importante parece-me ficar de fora, cabendo-nos, aqui, a tentativa de oferecer uma reflexão mais ampla do tema.

Na literatura, talvez, uma das figuras que melhor represente essa distinção entre o perfeccionismo e o aperfeiçoamento de si é “Fausto”, de J.W. von Goethe. No início do drama, trancafiado em seu gabinete, o personagem se lamenta por haver dedicado a vida inteira ao mais completo aprendizado de todos os conhecimentos possíveis sem que isso houvesse feito com que ele se tornasse mais sábio ou consciente:

“Estudei com ardor tanta filosofia,

Direito e medicina,

E infelizmente até muita teologia,

A tudo investiguei com esforço e disciplina,

E assim me encontro eu, qual pobre tolo, agora,

Tão sábio e tão instruído quanto fora outrora!”

Aqui, a instrução de Fausto, representada pela necessidade de tudo conhecer como se estivesse a superar metas acadêmicas e profissionais, contrapõe-se à sua formação ou projeto de autoaperfeiçoamento, trazendo-me à lembrança o registro de uma conversa entre Goethe e o seu secretário, J.P. Eckermann, sobre o que existe de artificial e doentio no estilo de vida das metrópoles e, sobretudo, na educação oferecida aos jovens:

“Entre nós, tudo é direcionado para a domesticação prematura de nossa querida juventude e para extirpar dela toda a natureza, toda originalidade e toda selvageria, de modo que por fim não resta mais nada a não ser o filisteu. […] Vamos manter a esperança e aguardar para ver como estaremos nós, alemães, em um século, e se teremos alcançado não mais sermos filósofos e eruditos abstratos, e sim seres humanos”.

Para Goethe, exercitamos a nossa humanidade à medida que demonstramos coragem e desenvoltura para lidarmos com experiências boas e más, a partir das quais vislumbramos a possibilidade de nos tornarmos capazes de finalmente reconhecer o que exige a nossa própria natureza.

Entretanto, por mais equivocados ou estapafúrdios que sejam planos, metas e resoluções, estes podem despertar em nós a necessidade de avaliar os nossos limites, de repensar as nossas prioridades e de corrigir o curso das nossas vidas por meio de uma reflexão sobre as habilidades e ferramentas que possuímos para enfrentar os obstáculos impostos tanto pelas circunstâncias como por nós mesmos.

Deste modo, embora seja mais fácil pensar que estejamos nos impondo metas simplesmente para satisfazer a cobrança dos outros em relação a como deveríamos ser, onde deveríamos estar e o que precisamos ter, devemos nos perguntar, igualmente, por que será que nos deixamos levar por esse tipo de pressão. Pois, quando se trata de tentarmos agradar os outros, estamos longe, muito longe mesmo, de sermos totalmente desinteressados.

Exemplo disso é o que acontece com outro célebre personagem de Goethe, Wilhelm Meister, que, ao apaixonar-se por uma atriz, tenta convencer a si mesmo e aos outros que a sua verdadeira vocação está no teatro. No entanto, ao longo dos seus anos de aprendizado, à medida que ele começa a se expor ao mundo e a questionar os seus objetivos, Wilhelm percebe que o teatro não é o que ele realmente almeja.

Mais tarde, nos seus anos de peregrinação, Wilhelm contempla uma porção de outros projetos e novos objetivos de vida, comenta sua dificuldade em encontrar um caminho a seguir e, por fim, encontra uma vocação condizente com as suas inclinações artísticas e sociais, ensinando-nos que ser adulto não significa abandonar os nossos planos de autoaperfeiçoamento.

Significa, sim, saber mesurar as nossas expectativas com relação ao que somos capazes de alcançar a partir de um cálculo que envolve um limitado conjunto de aptidões e recursos, opções e possibilidades.

A esse exercício dá-se o nome de resignação, algo que muitas vezes interpretamos como complacência ou, até mesmo, desistência, mas que, no linguajar de Goethe, significa, em verdade, saber interpretar os nossos próprios desejos de modo a finalmente termos alguma noção de como dosar a intensidade dos esforços a serem despendidos em cada uma das metas que informam as nossas demandas por felicidade.

Portanto, não se sintam inibidos na hora de estabelecer resoluções para este ano que se inicia. Afinal, se não agora, quando?

Eu mesma já tracei uma porção de planos para 2022, alguns mais e outros menos difíceis de execução. Sei bem que uma parcela desses planos jamais será realizada e que outra terá de passar por uma série de reajustes para conseguir sair do papel.

Nada disso importa. O que interessa mesmo, lembra-nos Goethe, é que nos esforcemos de algum modo, seja como for, pois é somente por meio dos nossos próprios esforços que seremos redimidos.

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