Elijah Wood fala dos 20 anos de ‘Senhor dos Anéis’ e que sempre será Frodo – 29/12/2021 – Cinema e Séries

Elijah Wood fala dos 20 anos de ‘Senhor dos Anéis’ e que sempre será Frodo – 29/12/2021 – Cinema e Séries



The New York Times

Há mais de duas décadas, o ator Elijah Wood, 40, guarda dois pés peludos de hobbit na mesma caixa em que os recebeu.

Ele ganhou o presente logo depois de concluir a filmagem principal da trilogia “O Senhor dos Anéis”, na Nova Zelândia, e não se lembra se os pés são um par novo ou se são o adereço que ele realmente usou nas cenas em que interpretou Frodo, o baixinho e valente herói a quem é confiada a missão de destruir um anel de ouro malévolo.

“Tenho certeza de que eles vão se estragar, com o tempo, porque látex não dura para sempre”, disse Wood por telefone, de Los Angeles. “Mas estavam em boa forma da última vez que abri a caixa”.

O estranho souvenir serve como lembrança tangível da produção incomum dos três épicos de fantasia, adaptados dos romances de J.R.R. Tolkien e filmados consecutivamente ao longo de 16 meses, período que foi seguido por três anos de rodagem de cenas adicionais e de viagens de divulgação a cada final do ano.

O processo todo só parece ter chegado a uma conclusão em 2004, quando o terceiro dos filmes, “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei”, triunfou no Oscar, conquistando 11 prêmios, entre os quais o de melhor filme.

Não foi o primeiro contato da trilogia com o Oscar. O primeiro filme, “O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel”, que recentemente foi incluído no registro de filmes da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, conquistou quatro prêmios depois de seu lançamento, em 19 de dezembro de 2001. Passados 20 anos, Wood falou de suas lembranças sobre a monumental aventura cinematográfica. Abaixo, trechos editados de nossa conversa.

Quando você pensa nos filmes “O Senhor dos Anéis” e na maneira pela qual eles redefiniram sua carreira, quais são as lembranças que permanecem mais vívidas?

Muitas vezes me lembro dos momentos de pausa entre cenas, e não só das cenas monumentais com centenas de figurantes vestidos de orcs, que certamente são uma coisa extraordinária. Mas me lembro também de momentos aparentemente banais, como ter nossos pés de hobbit tirados porque tínhamos de deixar a locação, já que tinha começado a nevar. Nós sentados em cima de uma lavadora e secadora no hotel, tomando um uísque, enquanto a equipe removia nossos pés. Ou as viagens de surfe nos finais de semana com os outros hobbits e Orlando [Bloom, que interpretou o elfo Legolas], e a camaradagem de nossa vida cotidiana. Todos deixamos a grande variedade de lugares dos quais viemos e criamos juntos uma vida na Nova Zelândia, fazendo companhia uns aos outros. Passados 20 anos, continuamos conectados dessa maneira, mesmo que não nos vejamos há muito tempo.

Em que momento você sentiu que esse episódio em sua vida tinha se concluído? Foi muito difícil deixar para trás tamanho feito de transformação?

O momento mais profundo de sentir que eu estava deixando aquilo de lado e questionar o que faria a seguir surgiu quando a filmagem principal acabou. Foi o momento em que todos nós estávamos mais exaustos. Estávamos todos muito investidos no mundo do filme que estávamos fazendo, e de repente isso acabou, algo que acontece com frequência quando você está fazendo um filme: você faz parte daquele microcosmo, e de repente é arremessado para a ponta oposta daquilo, e chega de volta à sua realidade. Foi essa a experiência, multiplicada em grau muito grande. Minha experiência de vida foi tão definida por estar na Nova Zelândia com aquele grupo de pessoas que a mudança súbita de estar em casa de novo me pareceu muito abrupta. Eu só queria continuar a trabalhar em coisas muito pequenas e muito diferentes de “O Senhor dos Anéis”. Fiquei muito triste ao ver tudo acabar, mas também estava pronto para levar minha vida adiante e ter novas experiências.

Relacionamentos fraternos muito estreitos como o que existe entre Sam e Frodo na trilogia agora são mais comuns na mídia. Quais eram seus pensamentos sobre a amizade entre os dois personagens, na época?

Minha interpretação daquilo era que se tratava de um companheirismo incrível. Embora meu personagem, Frodo, seja visto como o herói, existe ainda mais heroísmo verdadeiro em Sam [o hobbit interpretado por Sean Astin] e na maneira pela qual ele recolhe os cacos e segue em frente, quando Frodo não consegue mais continuar. Os dois precisavam um do outro, e Frodo certamente precisa de Sam. Havia uma compreensão verdadeira disso. Quando fui apresentado a Sean, nós dois íamos experimentar nossas perucas em um hotel em Los Angeles. Eu imediatamente lhe dei um abraço e disse “ei!”, porque eu sabia quem ele era. Nós nos abraçamos porque sabíamos que estávamos a ponto de embarcar em uma jornada incrível juntos, como atores trabalhando com outros atores, mas também havia a intuição de que ele e eu teríamos uma jornada juntos. E isso foi confirmado, totalmente. Muito do que vemos no filme, tanto em nosso relacionamento quanto em outros, reflete a realidade do que estávamos experimentando. O poder de contar histórias está em que as pessoas se relacionam àquilo que está sendo expressado. Já ouvi muitas interpretações diferentes sobre Sam e Frodo, da comunidade LGBTQ, mas também de pessoas que enfrentam problemas com vícios e se identificam com Gollum.

Frodo é uma criatura bastante vulnerável que tem uma carga inimaginável a carregar. O que você aprendeu ao personificá-lo por tanto tempo?

Uma das grandes mensagens dos livros no que tange a Frodo e os hobbits em geral é que até mesmo a menor das pessoas, não só em estatura mas no sentido daquilo que ela se sente capaz de fazer, é capaz de grandeza, de promover mudanças reais, de ter um impacto real. O que Frodo tinha a enfrentar parecia insuperável, mas ele foi capaz de fazê-lo por conta de sua bondade, gentileza, pureza de coração e talvez de sua inocência. São essas as coisas que os hobbits personificam, e o motivo inerente para que consigam resistir à corrupção do anel por mais tempo do que os seres humanos. Mas o que torna Frodo único é uma maneira de ver o mundo sem qualquer cinismo. Também existe coragem, talvez uma coragem cega de não saber o que virá à frente e, com isso, não se permitir ter medo. Se eu tivesse de aprender uma coisa de tudo isso, é que existe uma força moral em seu caráter que tornava tudo aquilo possível.

Você acha que seria possível fazer esses filmes hoje da mesma maneira que foram feitos na época?

Havia um senso forte de que não estávamos sendo fiscalizados. Peter e a equipe em geral foram autorizados a fazer o filme do jeito que queriam sem muita interferência externa. Isso não significa que o estúdio não tivesse medo, ou não estivesse investido no resultado do trabalho. Estavam cientes dos riscos de fazer os filmes em filmagem contínua. Não sei se seria possível fazê-los da mesma maneira hoje. A internet também mudou, não é? Havia menos escrutínio quanto aos filmes. Sabia-se menos sobre eles. Podíamos fazer filmes dentro de uma bolha. Tínhamos problemas bobinhos, como por exemplo a presença de fotógrafos em uma colina, mas eram desimportantes. [Risos.] Não sei se isso seria possível agora. O mundo todo está online e quase todo mundo tem muito acesso a quase tudo.

Estar associado perpetuamente a “O Senhor dos Anéis” foi sacrificado, em algum momento?

Aceitei muito tempo atrás que estaria para sempre ligado a Frodo, e assim isso não me incomoda. Honestamente, seria triste e um peso, se fosse diferente. [Risos.] Estou completamente acostumado a pessoas me chamarem de Frodo na rua, e não pelo meu nome. É representativo de uma das grandes experiências de minha vida, filmes que adoro e lembranças que guardarei para sempre. No fim dos meus dias, é a isso que estarei ligado, provavelmente mais do que a qualquer outra coisa. Só posso comparar a situações semelhantes como o caso de Mark Hamill ou Harrison Ford. Eles estão associados a seus personagens clássicos [em “Star Wars”] mais do que a quaisquer outros. Agora que estamos diante do precipício dos 20 anos [de lançamento dos filmes], o que parece bem difícil de mentalizar, minha reflexão é acima de tudo gratidão e um grande amor, e jamais me incomodará estar associado a esses filmes, ou que, na memória das pessoas, eles sejam a maior lembrança sobre quem sou.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci



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